Trafigura e a Máfia
Presidencial
·
Rafael Marques de
Morais
@ http://makaangola.org/
Em dois anos de operações em Angola, a Pumangol tornou-se no mais influente
intermediário na venda de petróleo angolano, assim como na distribuição de
combustíveis no país.
Esta empresa é uma sociedade de capitais mistos, entre a multinacional Puma
Energy, um subsidiária da empresa suíça Trafigura, e a sua parceira angolana,
Cochan S.A.
Em Agosto de 2010, o Presidente José Eduardo dos Santos promulgou cinco
contratos de investimento avaliados em US $931 milhões, pela multinacional Puma
Energy e a Cochan S.A. Esses contratos incluem também a Pumangol.
Num país classificado entre os 15 piores do mundo para se fazer negócio, o
sucesso fulgurante da Trafigura e da Pumangol merece aprofundada investigação
sobre as relações desta empresa com o círculo presidencial.
A multinacional suíça, baseada em Genebra, beneficia de um contrato de
permuta com a Sonangol. A Trafigura recebe petróleo, em quantidades não
divulgadas publicamente, em troca do envio de derivados de petróleo para o
consumo doméstico em Angola. Aparentemente, a Trafigura vende a maioria do
petróleo à empresa estatal chinesa Sinopec.
Uma investigação, realizada em Setembro passado, pela revista internacional
Energy Compass apurou que o
contrato entre a Trafigura e a Sonangol teve início em 2009. Em 2011, o
contrato foi avaliado em US $3.3 biliões, com base em 3.25 milhões de toneladas
métricas de derivados de petróleo importados por Angola. O contrato é gerido
pela DTS Refining, uma subsidiária da DTS Holdings, também conhecida por DT
Group. Esse grupo foi criado em 2008 e está baseado em Singapura.
O general Leopoldino Fragoso do Nascimento, conselheiro principal do
ministro de Estado e Chefe da Casa de Segurança do Presidente da República,
general Manuel Hélder Vieira Dias “Kopelipa,“ é um dos administradores actuais
do DT Group, de acordo com a documentação oficial mais recente registada em
Singapura, examinada por Maka Angola.
Entre os administradores do referido grupo encontram-se também Claude
Dauphin, um dos fundadores da Trafigura, e o brasileiro Mariano Marcondes
Ferraz, considerado como o ponta-de- lança da Trafigura em Angola. Foi este
último quem assinou os acordos com o executivo angolano, no valor de quase um
bilião de dólares. A empresa tem mais dois administradores, nomeadamente
Patrick Waters, um cidadão britânico actualmente residente em Singapura, e
Juliana Loh Joo Hui, de Singapura.
A DTS Holdings é uma empresa de capitais mistos entre a Trafigura PTE
(Singapore) e a Cochan Limited (Singapura). O general Leopoldino Fragoso do
Nascimento também é administrador da Cochan, assim como Juliana Loh Joo Hui e
ainda Johan David Berman, também de Singapura. O único accionista da Cochan
Limited é a Cochan Ltd (Bahamas).
No entanto, há uma terceira Cochan, a Cochan S.A., criada em Angola a 6 de
Abril de 2009. Nos contratos promulgados pelo Presidente José Eduardo dos
Santos, a Cochan S.A detém 51 porcento das acções na sociedade Pumangol,
enquanto a DTS Holdings, na qualidade de investidor estrangeiro, detém 49
porcento. Mas, a DTS Holdings não é assim tão estrangeira porquanto o seu
administrador é o conselheiro presidencial general Leopoldino Fragoso do
Nascimento.
Mas, para melhor entendimento desta teia de interesses, é imperativo
indicar os accionistas nominais da Cochan S.A. Estes são Zandre Eudénio de
Campos Finda, Augusto Mondlane de Campos Finda, António Carlos de Oliveira,
Telma Marina Alves Pedro Gomes e Eden Zerá de Carvalho Albuquerque.
Quem são esses indivíduos?
Zandre Eudénio de Campos Finda é o administrador-executivo formal da Nazaki
Oil & Gas, uma empresa petrolífera cujos proprietários são o actual
vice-presidente, Manuel Vicente, e os generais “Kopelipa” e Leopoldino Fragoso
do Nascimento, em percentagens iguais. A Nazaki é a companhia parceira da
empresa norte-americana Cobalt International, que opera os blocos 9 e 21 de
pré-sal. Actualmente, a Cobalt encontra-se sob investigação judicial nos
Estados Unidos da América, por suspeita de violação das leis anti-corrupção, ao
associar-se a dirigentes angolanos. António Carlos de Oliveira é também,
formalmente, administrador não-executivo da Nazaki.
Coincidência ou não, tanto a Cochan como a Nazaki foram inicialmente estabelecidas
com o mesmo endereço oficial em Luanda, na Rua Luís Mota Feo 3-2º, Apt 5,
Ingombota. O triunvirato presidencial composto por Manuel Vicente, Kopelipa and
Leopoldino Fragoso tem usado este mesmo endereço como a morada oficial de cerca
de 40 empresas, as quais têm os seus tentáculos espalhados pela economia
política angolana.
Ademais, Eudénio de Campos Zandre Finda é também o administrador-executivo
da Movicel, uma das duas operadoras de telefonia móvel em Angola. Esta empresa
foi privatizada em 2010. O trio presidencial recebeu, sem concurso público, 40
porcento das acções da Movicel por via de um decreto do Presidente dos Santos.
A Portmill Investimentos e Telecomunicações, uma empresa por eles criada a 27
de Julho de 2007, tinha a sua sede inicialmente no mesmo endereço em Ingombota.
Esta empresa tornou-se a fachada para os negócios corruptos do trio
presidencial. Como testa de ferro para a participação accionista do general
Leopoldino Fragoso do Nascimento e associados, Eudénio de Campos Zandre Finda
também acumula o cargo da administrador-executivo do Banco Espírito Santo
Angola (BESA).
Em geral, no acto de criação das empresas de fachada, os accionistas
nominais assinam um documento tranferindo as acções e os benefícios integrais
para os verdadeiros proprietários, por norma dirigentes governamentais no
activo. No caso da Cochan S.A., esta é apenas mais uma das cerca de 40 empresas
que pertencem a Manuel Vicente e os generais Manuel Hélder Vieira Dias
“Kopelipa” e Leopoldino Fragoso do Nascimento.
O que requer uma investigação mais aprofundada é a origem das centenas de
milhões de dólares que a DT e a Cochan têm estado a investir em Angola.
A Lei da Probidade Pública define como “acto de improbidade pública
conducente ao enriquecimento ilícito” receber “vantagem económica, directa ou
indirecta, a título de comissão, percentagem, gratificação ou de presente de
quem tenha interesse, directo ou indirecto, que possa ser atingido ou amparado
por acção ou omissão decorrente das atribuições do agente public” (Art. 25, 1,
a).
O general Leopoldino Fragoso do Nascimento tornou-se administrador da
Cochan Singapura a 10 de Maio de 2010, na altura em que exercia o cargo de
chefe de Telecomunicações da Presidência da República.
Como pessoa de confiança do Presidente José Eduardo dos Santos e seu testa
de ferro em negócios privados, o general Leopoldino Fragoso do Nascimento não
teria assumido funções privadas no exterior sem a autorização do seu
comandante-em-chefe. O general em questão continua a exercer o cargo de
administrador-executivo na empresa em Singapura, acumulando estas funções com o
cargo de conselheiro na presidência, sob ordens do general Kopelipa, seu
superior imediato e parceiro de negócios, e com a aprovação do Presidente.
Em dois anos de operações, a subsidiária do DT Group, Pumangol, já ergueu
cerca de 60 bombas de combustível no país. De acordo com a informação prestada
pelo director-geral da referida empresa à imprensa local, Paul Edwards, a
subsidiária tem receitas diárias estimadas em cerca de um milhão de dólares. O
responsável também revela que a Pumangol compra o combustível à Sonangol,
segundo notícia divulgada pelo semanário
Agora, há um ano. A Pumangol é a marca nacional para a Puma Energy. Em
Septembro de 2011, a Trafigura vendeu 20 porcento da Puma Energy à Sonangol
Holdings. A Pumangol, uma empresa obscura, tem não menos de oito entidades
subsidiárias baseadas nas Ilhas Marshall.
A influência política desta empresa pode ser também medida pela cobertura
mediática das suas operações, tanto por órgãos de comunicação públicos como
privados. O principal grupo privado de comunicação social, a Medianova, também
pertence ao triunvirato composto por Kopelipa, Manuel Vicente e Leopoldino
Fragoso. Com frequência, a inauguração de cada bomba de combustível conta com a
presença das autoridades locais e de jornalistas. Os discursos de propaganda
apresentam as bombas como uma mais-valia para o “desenvolvimento
sócio-económico” da respectiva região.
O labirinto de ligações políticas e de negócios privados que envolvem a
Sonangol, Manuel Vicente, os generais Kopelipa e Leopoldino Fragoso do
Nascimento, a Trafigura, e uma míriade de empresas offshore, levanta várias
questões.
Onde começa o investimento da Sonangol em tais sociedades mistas e onde
acabam os interesses privados do trio presidencial?
Seguindo os modelos de investimento anteriores, em que a Sonangol é usada
como modo de promover o enriquecimento pessoal dos membros do triunvirato , é
de arrepiar a magnitude do saque de recursos públicos e esquemas de lavagem de
dinheiro que envolvem esta empresa.
Há ainda o facto do Presidente José Eduardo dos Santos permanecer
indiferente ao facto do general Leopoldino Fragoso do Nascimento exercer
abertamente cargos privados em Singapura, enquanto trabalha para a presidência.
Esta é a marca característica da impunidade do executivo do Presidente dos
Santos, investida naqueles que lhe são próximos.
Com o contributo de Marc Guéniat, a partir da
Suíça
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