Parem
de escrever
·
Domingos
Kambunji
Há alguns, não muitos, anos, numa escala em New
Jersey, de ligação com um outro continente, assisti a um longo, quase monólogo,
discurso de propaganda, por um individuo pertencente aos quadros da polícia
secreta do MPLA. Que agora é que Angola vai avançar para a frente. Que agora a paz vai trazer prosperidade para
todos. Que agora é que os angolanos vão ser todos camaradas amigos. Que agora é
que o Presidente pode implantar uma democracia para todos. Que agora, em Angola, todos os
cidadãos vão ter uma excelente qualidade de vida. Etc.
A quase totalidade do auditório estava muito mais
interessada na hora do embarque e da chegada ao destino do que no noticiário do
único viajante vestido com fato escuro e gravata, na sala de espera. O
“especialista nos Avanços” em micro e macro economia e em planeamento de
empresas e desenvolvimento social reparou que eu era dos poucos que observava o
espectáculo, com alguma, não muita, atenção. Aproximou-se e apostou que eu era
moçambicano, guineense, santomense, ou caboverdiano. Errou.
Quando estava já cansado de tanto “avançar para a
frente” ele informou-me de que foi aos Estados Unidos levar um dos seus filhos
para concluir o ensino secundário nesse país e depois ingressar numa das
universidades da terra do tio Sam. Ainda
explicou as vantagens de estudar nesse país: o ensino é muitíssimo melhor do
que em Angola, aprende-se a falar bem uma língua estrangeira, dá a
possibilidade de arranjar um belíssimo emprego em Angola, fica muito caro em estadia e propinas mas
compensa e dinheiro não é problema, etc.
Nesse momento eu regressei, com bastante malícia, à
conversa do “avançar para a frente” para acusar as desigualdades económicas e
sociais, a limitação da liberdade de informação na comunicação social e lembrar
de que o Presidente é mundialmente conhecido por ser um corrupto na gestão dos
dinheiros públicos. O senhor do fato e gravata, pouco cómodos para voos
internacionais de longa duração, respondeu com toda a convicção:
-
O Presidente tem direito a ganhar percentagens nos
negócios da nação, por isso é que ele é Presidente e não é como os outros
cidadãos.
Não sei se venci a guerra, creio que não, mas, naquele momento, o senhor do Avançar Para
a Frente ficou perfeitamente convencido de que derrotou todos os argumentos que
usei naquela batalha. Eu calei-me porque na minha modesta cultura essas
percentagens graúdas seriam um enorme crime, fortemente condenado e punido pelo
poder judicial nos países que revelam um maior desenvolvimento económico,
científico e social, como é o caso do país que o senhor Avançar Para a Frente escolheu para a formação académica do filho.
O Presidente do país escolhido pelo senhor Avançar Para
a Frente para as aprendizagens escolares do seu filho, um pelintras em termos
financeiros se for comparado com o José Eduardo dos Santos, porque não recebe
“percentagens nos negócios da nação”, agora é criticado pelos seus opositores,
a nível interno, os que tentaram impor as democracias através da guerra, por ter-se manifestado a
favor do estabelecimento de democracias desmentindo a propaganda dos órgãos de
informação oficiais e, sem baixarem os braços, contra a repressão dos senhores Avançar Para a
Frente desses países.
Há quem sinta uma enorme dificuldade em
apresentar-se com pensamentos adultos, coerentes, inteligentes e honestos e
acuse, frequentemente, os adversários de “traição à Pátria”. Muitos desses indivíduos
educam os filhos nas escolas do ensino secundário e nas universidades dos
países que acusam, dentro das fronteiras nacionais, de “Capitalistas,
Neocolonialistas e Imperialistas”, onde os Presidentes não têm “percentagens
nos negócios da nação”, e manifestam-se ruidosamente contra os cidadãos que
lutam na defesa de ideais muito construtivos
e honestos para destronarem os senhores Avançar Para a Frente, os alicerces, as traves
mestras e os telhados dos tiranos. E quando alguém emite opiniões de nojo, totalmente
desinteressadas, contra as “percentagens nos negócios da nação”, apontam cassetetes,
metralhadoras e canhões e disparam:
-
Tenho que reconhecer que você
é um pessimista, próprio da "geração de muangai" cujo lema é:
"Nada sem nós, tudo connosco"... Pare de escrever por frustração, escreva por
convicção, o MPLA ganhou e aceite porque o que dá raiva é ver a pregarem a
democracia tipo 10 mandamentos mas não agem como democratas. Etc…
Claro que eu não aplaudo nem entro em depressão com
estes comentários e só me apetece responder:
-
Avancem para a vossa frente, recuando para trás.
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