O Leão e o Macaco
ASLopes
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Na Reserva Moçambicana do
Gorongoza, viviam na mesma área da selva, um leão e um macaco, ambos bastante
velhos. O Leão tinha perdido grande parte da sua agilidade e de velho que era,
até lhe faltavam vários dentes.
A sua juba preta, outrora tão
linda, estava gasta como um casaco velho e o seu pêlo tinha perdido brilho e
comprimento. Passava grande parte do dia a dormir à sombra de uma acácia
frondosa. Ele já não conseguia correr o suficiente para capturar as suas presas
favoritas, zebras e gnus, e, até mesmo, as tímidas gazelas conseguiam
escapar-lhe com muita facilidade. Por isso, qualquer resto de animal morto que
pudesse encontrar lhe servia, roubando carne já podre às hienas, aos chacais e
aos abutres que apesar de tudo ainda o temiam.
O Macaco deste conto, que
também era muito velho, escolhera a mesma árvore que abrigava o leão do Sol,
para morar e viver. Saltava de galho em galho sem grande energia, mas não
conseguia competir com os macacos mais novos que por ali apareciam com muita
frequência. Descia algumas vezes ao solo para apanhar frutos caídos. Contudo,
apesar de toda a sua falta de energia, não tinha perdido o seu feitio trocista
e implicativo e sempre que via o Leão deitado debaixo da acácia, não resistia à
tentação de fazer troça dele. Volta não volta, ouvia-se então na selva este
diálogo singular:
─ Olá, leão velho, quando é que
tu vais ao dentista colocar os dentes que te faltam? Quando é que começas a
tomar umas vitaminas para poderes correr mais? Não tens vergonha, tu, o rei dos
animais, de toda essa decadência, e de sobreviveres à custa da carne podre que
roubas às hienas e aos chacais? Esse é o castigo que tu mereces por teres
comido alguns macacos meus parentes, quando eras mais novo.
─ Cala-te macaco velho e
pelado? Eu ainda um dia te apanho e faço-te engolir todos esses insultos. Ai de
ti, seu palerma, quando eu te puser as minhas garras em cima!
─ Garras! Garras! Leão velho.
Onde é que tu tens garras? As que não te caíram já, estão quebradas e as outras
devem estar todas a abanar.
O Leão perdia a cabeça e
levantando-se avançava para o macaco, que, apesar de velho, conseguia escapar
com facilidade, trepando rapidamente por um galho quebrado que quase tocava o
solo.
─ Hi, Hi. Hi… ria-se o macaco
em voz alta.
O leão, incapaz de o apanhar,
deitava-se de novo, e voltava logo a dormir e a ressonar ruidosamente. O
macaco, arrancava então frutos verdes de um ramo, e atirava-os à cabeça do Leão
que acabava por acordar começando a proferir ameaças e insultos contra o
macaco.
O leão, já estava completamente
farto daquele macaco impertinente e safado. Começou então a dar voltas à
cabeça, para ver se descobria uma maneira inteligente de o tramar. Tantas
voltas deu ao miolo que lhe veio uma brilhante ideia. Iria fingir-se de morto,
iria ficar esticado e imóvel no chão, com a língua fora da boca, sem quase respirar.
O macaco quando o visse nesse estado haveria de pensar que ele estava realmente
morto. Mesmo que as chatas das moscas lhe passassem pelo focinho e pela língua
ele estava decidido a não se mexer. Assim, todos se convenceriam que ele teria
mesmo morrido de repente.
Se este plano maquiavélico
viesse a resultar, ele mataria dois coelhos com uma só cajadada; vingar-se-ia
do impertinente símio e ganharia uma saborosa refeição de carne fresca. Ele,
que gostava tanto de carne de macaco e que já não a provava há tanto tempo!
Naquela noite, até chegou a sonhar que estava a deliciar-se com uma farta
refeição à maneira antiga.
Se bem o pensou, melhor o pôs
em prática. Então, na manhã seguinte, quando o Macaco, já acordado, pulava de
galho em galho, mesmo por cima da sua cabeça, o Leão deu um urro abafado, como
nunca o fizera até ali, esticou-se no solo com convulsões fingidas, como se
estivesse a ter
um violento ataque de coração
imobilizando-se depois com a língua entre os dentes. O Macaco, atraído pelo
barulho e pelo estranho comportamento do Leão, ficou confuso e admirado. O que
se estaria a passar com o Leão velho?
Parecia ter tido um ataque de
coração!
O Leão, apesar das moscas serem
muito chatas e de lhe fazerem cócegas na língua e no focinho, manteve-se firme
e sem sequer pestanejar. Ele tinha de enganar o Macaco custasse o que custasse.
Aquilo era ponto assente. Então, o Macaco, eufórico, começou a gritar:
─ O Leão velho morreu. O Leão
teve um ataque e morreu, venham ver!
Convencido que o Leão estava
realmente morto, desceu da árvore a correr, para ir ver de perto o seu inimigo
inanimado. Quando chegou ao solo o Leão continuava imóvel e cheio de moscas,
com a boca entreaberta e a língua pendendo-lhe para o chão.
─ Ah, Ah, ele está mesmo morto,
o malvado leão velho morreu, dizia o Macaco muito contente. Ah, agora é que eu
vou poder satisfazer a minha velha aspiração de puxar as orelhas a este leão
arrogante. Tenho que o fazer já, antes que venham as hienas e os abutres e o
despedacem todo.
Então o Macaco, pé ante pé,
aproximou-se da cabeça do Leão. O Leão estava de olhos entreabertos a ver o
macaco perfeitamente.
─ Desta vez é que eu apanho
este palerma que está convencido que é muito esperto, pensou o Leão para
consigo mesmo. O Macaco continuou a aproximar-se mais e mais da cabeça do leão,
colocando-se perigosamente entre as patas dianteiras do seu inimigo. Então,
radiante de alegria, segurou uma das orelhas do Leão e deu-lhe um valente
puxão. Repentinamente, num abrir e fechar de olhos, o Leão agarrou o macaco com
as duas patas da frente. O Macaco surpreendido e em pânico, desatou numa enorme
gritaria que assustou todos os animais em redor daquele local.
─ Agarrei-te ou não, macaco
trocista e estúpido? Ah, menino, agora é que tu mas vais pagar! Acabou-se o teu
atrevimento e o teu escárnio!
O Macaco, gritava cada vez mais
alto e começou a suplicar ao Leão que não o matasse.
─ Leão, Leão tem pena de mim,
poupa-me a vida por favor! Poupa-me a vida, que eu daqui para a frente nunca
mais troço de ti e quero até ser teu amigo e ajudar-te! Olha Leão, tu não vês
que eu sou velho e que não ganhas nada em me matar! Repara bem como eu estou
magro! Eu já não tenho carne nenhuma, só tenho ossos. Já não te sirvo para
comer! Além disso, tu não sabes que eu estou assim magro, porque ando muito
doente? Eu estou tuberculoso! Se me comeres vou passar-te a minha doença! Para
dar mais crédito à sua afirmação começou mesmo a tossir repetidamente.
─ Tu estás a mentir, macaco, tu
sempre foste aldrabão!
─ Não, não, eu agora estou a
falar verdade. Eu estou mesmo tuberculoso! O Leão não se estava a deixar
convencer pela conversa do Macaco e continuava a segura-lo pelo cachaço.
─ Leão pára, ouve-me por favor,
tenho uma boa proposta para te fazer.
Prometo-te, sob palavra de
honra de macaco, que te vou ajudar na tua velhice, arranjando-te comida boa,
carninha fresca e abundante! Então o leão colocou o macaco no chão debaixo de
uma das suas enormes patas dianteiras e disse-lhe: ─ Anda, explica-te lá bem e
depressa seu mentiroso, para que eu veja que tipo de trapaça estás a inventar.
─ Não, leão, não é nenhuma
trapaça. A partir de agora vai ser tudo diferente entre nós, eu não te mentirei
nunca mais. Eu tenho um bom plano para te ajudar leão! Eu vou dar-te a
possibilidade de comeres alguns macacos novos e gordos. Nada mas mesmo nada,
que se pareçam comigo, que sou muito velho e muito rijo.
─ Fala, depressa, como vais
fazer isso macaco? Sempre quero ver qual é a tua nova mentira!
─ Olha Leão, isto não é
mentira. Nós os macacos realizamos sempre duas reuniões por semana, num
determinado local da mata que só nós conhecemos e que não é nada fácil de
alcançar. Mas eu sei, como te posso introduzir nesse local e qual o caminho por
onde terás de passar. Olha leão, a nossa próxima reunião é já amanhã. Eu posso
levar-te lá e mostrar-te um lugar onde tu te poderás esconder sem que consigam
descobrir-te. Então, quando os macacos estiverem reunidos e distraídos a
conversar e a rir, tu visas um dos mais gordos e cais de repente sobre ele.
─ E quem me garante macaco
manhoso, que tu não estás para aí a mentir e a procurar ganhar tempo, disse o
Leão!
─ Olha Leão, eu sou brincalhão
e trocista e também sou mentiroso, mas quando dou a minha palavra de honra,
faço questão em cumpri-la, para não ficar desacreditado.
─ Bom, bom, pensando melhor
desta vez parece que estás a falar verdade, esse negócio talvez me interesse
disse o leão! Mas isso tem de ser muito rápido, porque eu ando cheio de fome.
─ Ah, se aceitas, isso é para
já, disse o macaco! Estás preparado para a viagem?
─ Claro que estou, quando se
trata de comer, eu estou sempre preparado!
─ Olha amigo Leão, como o local
fica longe daqui, e eu ando muito mal pelo chão, eu vou a saltar de galho em
galho e de árvore em árvore e tu vais-me seguindo pelo chão, pois não me
afastarei muito de ti.
─ Combinado, concordo, disse o
leão.
O Leão soltou então o Macaco,
que se sacudiu, para se livrar da saliva do felino. O Macaco sabia de um local
na floresta, onde os caçadores africanos tinham aberto um fosso para caçar
búfalos e, rapidamente, sem perda de tempo, pôs o seu plano maquiavélico em
execução. Saltando de árvore em árvore foi dirigindo o Leão para lá, sem que
ele pudesse desconfiar do que lhe iria acontecer.
─ Então isso fica assim tão
longe, perguntou o Leão?
─ Não, é só mais um bocado.
Dentro de uma hora estamos lá. Mas temos de andar bem mais depressa, pois temos
de chegar lá antes que comece a escurecer, para que eu te possa mostrar o sítio
onde terás de te esconder.
─ Vá, então vamos depressa,
disse o Leão. Eu ainda consigo correr um pouco! “
E o Leão pôs-se a correr com
algum esforço. Ao fim de algum tempo o Leão voltou a perguntar. ─ Olha, isso
ainda fica longe?”
─ Não, não, corre ainda um
pouco, já estamos a chegar.
O Leão, começou então a correr
mais depressa. De repente o chão faltou-lhe debaixo das patas e completamente
desamparado, caiu dentro de um profundo fosso.
Ainda no ar, soltou um grande
urro e gritou:
─ Ah, maldito Macaco,
enganaste-me. És um malandro sem palavra, um macaco desonesto e maldito.
O Macaco aproximando-se da boca
do fosso, e olhando para baixo, começou a rir-se a gargalhadas descontroladas.
─ Leão estúpido, Leão
desmiolado desde quando é que um Macaco tem palavra de honra?
A minha palavra não passa da
palavra de um Macaco!
Talvez seja essa uma das razões
porque alguns africanos dizem que os mentirosos e desonestos têm palavra de
macaco.
Moral deste conto: Não devemos, nunca, confiar em
quem tem fama de mentiroso e que troça de nós.
[Em Angola reina um Rei Macaco Velho, a vencer eleições
fraudulentas, prometendo o crescimento e repartição da riqueza com os restantes
habitantes da floresta...]
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