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* Rafael Marques de Morais, 2
Junho, 2014
Camarada presidente, para que serve a
Constituição, para além de legitimar o seu poder?
Quem o aconselha a empregar a Polícia
de Intervenção Rápida (PIR), uma força de elite, para torturar jovens manifestantes, jornalistas e políticos da oposição no seu comando central?
Dirijo-lhe essas duas questões a
propósito dos últimos actos de violência que essas forças cometeram contra
jovens que organizaram uma vigília em memória da chacina de 27 de Maio de 1977,
no mesmo dia do ano de 2014.
O senhor presidente desempenhou um
papel extraordinário naquele evento histórico, como protagonista de ambos os
lados. Participou das reuniões preparatórias dos fraccionistas, lideradas por
Nito Alves e Zé Van-Dúnem, assim como esteve do lado das forças leais a
Agostinho Neto, que protagonizaram o massacre contra os fraccionistas e dezenas
de milhares de cidadãos. Mas isso é outra história.
A absoluta falta de respeito, por
parte do seu governo, pelos direitos fundamentais dos cidadãos consagrados na
Constituição não constitui, por si só, motivo de referência. No entanto, apesar
de a sociedade se sujeitar aos abusos do seu poder como normal, há motivos de
preocupação comum sobre a violência política no contexto actual.
Camarada presidente, as respostas às
duas questões que lhe endereço podem ajudá-lo a enxergar a realidade sobre os
perigos dessa estratégia de violência política para a sua própria segurança
pessoal e para a estabilidade do seu poder.
Tudo o resto é irrelevante para si,
bem sei. Por isso achei por bem enumerar alguns efeitos da luta que o seu
regime tem empreendido, desde 2011, para acabar com as manifestações de
protesto contra o seu poder.
As
Contramanifestações do MPLA
Tudo começou com uma brincadeira de um jovem, que se autoproclamou como Jonas Roberto Agostinho dos Santos, usando os nomes dos três líderes dos movimentos de independência e do próprio camarada presidente.
Tudo começou com uma brincadeira de um jovem, que se autoproclamou como Jonas Roberto Agostinho dos Santos, usando os nomes dos três líderes dos movimentos de independência e do próprio camarada presidente.
Este cidadão angolano, cujo
verdadeiro nome se omite, convocou uma manifestação para o dia 7 de Março de
2011, via internet, a partir da Namíbia, onde residia, sem qualquer ligação a
grupos angolanos. Estava a testar o que aprendera num curso sobre a capacidade
de mobilização através da internet.
Atemorizado por essa brincadeira, o
MPLA despendeu dezenas de milhões de dólares e recursos do Estado na
organização de uma contramanifestação, que ocorreu a 5 de Março de 2011. Foi
chamada a marcha de um milhão a favor do presidente. Na altura, o Bureau
Político do MPLA acusou os serviços de inteligência do Ocidente, bem como
grupos de pressão em Portugal, Itália, França, Bélgica, Grã-Bretanha e
Alemanha, de serem as forças por detrás da convocação.
No dia 7 de Março, apareceram cinco
curiosos e três jornalistas, imediatamente detidos, no Largo da Independência,
em Luanda.
Em Abril de 2011, o governo permitiu,
sem violência, a realização de uma manifestação pacífica.
Para conter as tentativas de
manifestação do mês seguinte, o governo começou a aplicar métodos brutais
contra os jovens. A Polícia Nacional, para além da polícia política e da
segurança militar, passou a ser apoiada também pelas milícias
pró-governamentais, formadas essencialmente por cidadãos do Congo Democrático
sob comando de Bento Kangamba, procedendo a actos de identificação e agressão
dos manifestantes.
Apesar da violência e das prisões
arbitrárias, os protestos prosseguiram a 3 de Setembro de 2011. No total, 21
manifestantes foram não apenas espancados, mais ainda condenados a penas de
prisão de 45 a 90 dias. O dia do seu julgamento sumário deu lugar a um outro
protesto de solidariedade, às portas do tribunal, onde 30 outros manifestantes
foram detidos, brutalmente espancados e encarcerados por dez dias.
O MPLA realizou mais uma grande
contramanifestação a 24 de Setembro, desproporcional às dezenas de jovens que
se tinham juntado.
Teimosos, alguns dos manifestantes
recém-libertados juntaram-se a outro protesto a 15 de Outubro, que decorreu sem
violência policial, após um compromisso com a polícia em como não chegariam ao
Largo da Independência.
Reactivo, o MPLA embarcou noutra
contramanifestação a 24 de Outubro, destinada a atrair a juventude. Agastado
pelas críticas que o acusam de ter organizado eventos para embriagar a
juventude com cerveja gratuita ou a preços simbólicos, para além de uma boa
selecção de músicos, o MPLA ofereceu maçãs, sumos e água mineral aos jovens que
acorreram ao evento.
A 3 de Dezembro, o pequeno grupo de
manifestantes saiu outra vez à rua. Um total de 14 pessoas foram severamente
feridas pela acção brutal da polícia. Já com pouco fôlego, o MPLA respondeu com
um grande comício a 10 de Dezembro. Estive no acontecimento. A presença dos
militantes era compulsiva por via de listas dos comités de acção e de alguns
sectores da função pública. Depois da música, os milhares de presentes
praticamente abandonaram o secretário provincial do seu partido, Bento Bento,
que discursou para um terreiro vazio.
O MPLA, com todos os meios do Estado
à sua disposição, bem como a propaganda ensurdecedora dos órgãos de comunicação
social do Estado a seu favor, perdeu na batalha das manifestações e
contramanifestações.
Cabeças
Partidas, Assassinatos e Jacarés
Uma nova estratégia emergiu no combate aos manifestantes: Partir as cabeças dos cabecilhas, com barras de ferro, nas suas residências ou pontos de encontro longe do Largo da Independência.
A 9 de Março de 2012, os kaenches, armados com barras de ferro e protegidos por agentes da polícia política (SINSE), assaltaram a casa de Carbono Casimiro. Os kaenches atacaram os organizadores da manifestação que deveria ter lugar no dia seguinte e que aí se encontravam reunidos. Os atacantes causaram graves ferimentos nas cabeças de Santeiro e de Caveira, e menos graves a três outros.
No dia seguinte, efectivos da Polícia
Nacional olhavam para o outro lado enquanto os kaenches, mais
uma vez armados com barras de ferro, partiam as cabeças de nove manifestantes.
As fotos do Luaty Beirão, o brigadeiro Mata Frakus, assim como do
secretário-geral do Bloco Democrático, Filomeno Vieira Lopes, com sangue a
escorrer-se-lhes das cabeças, tornaram-se virais na internet.
Camarada presidente, o seu regime
promoveu publicamente e legitimou estes actos de violência através dos órgãos
de comunicação social do Estado, em particular da TPA. A 12 de
Março de 2012, estes órgãos deram destaque a um comunicado
elaborado pela sua polícia política sob o suposto nome de Grupo de Cidadãos
Angolanos pela Paz, Segurança e Democracia na República de Angola. Esse grupo,
inspirado nos comunicados de organizações terroristas internacionais, assumiu a
responsabilidade pelo ataque e prometeu mais actos de violência para defender
“a paz, a segurança e a democracia em Angola”.
Dois meses depois, a 23 de Maio de
2012, as milícias do seu governo, com protecção policial, atacaram novamente a
residência de Carbono Casimiro, onde se encontravam reunidos alguns jovens que
preparavam uma manifestação. Os atacantes, armados com barras de ferro,
partiram as cabeças de Mbanza Hamza, Gaspar
Luemba e Jang Nómada ,
para além de outros ferimentos causados a outros jovens.
O camarada presidente, com o seu
cinismo habitual, caucionou essa nova estratégia.
Na semana seguinte, a 27 de Maio de
2012, o sempre fatídico dia, elementos da Polícia Nacional e do SINSE raptaram
Alves Kamulingue nos arredores da Baixa de Luanda. Fizeram-no para defender o
camarada presidente. Alves Kamulingue tinha estado a ajudar a organizar os
antigos membros da Unidade de Guarda Presidencial (UGP), que pretendiam
manifestar-se nesse dia por terem sido dispensados permanentemente sem pensões
ou perspectivas de emprego na vida civil. Dois dias depois, os mesmos
operativos ao serviço do camarada presidente raptaram Isaías Cassule, o outro
cabecilha.
Como já é do conhecimento público, os
corpos destes jovens, assassinados pela sua polícia política, foram servidos
como alimento aos jacarés. Desde então, o camarada presidente é conhecido, em
surdina, como o Rei dos Jacarés.
Cassule & Kamulingue ascenderam
ao panteão dos mártires da pátria.
Com essas mortes, os raptos e as
ameaças de morte anteriormente protagonizados pela polícia política, como nos
casos de Pandita Nehru, Gaspar Luamba, entre muitos outros,
tornaram-se estratégias irrelevantes
do poder, na psique das vítimas e daqueles a quem se procurava infundir o medo.
Também as estratégias de corrupção, infiltração, intrigas e divisão dos grupos
de jovens passaram a ser irrelevantes. Como se neutralizam células de
indivíduos que agem de forma desorganizada, anárquica, em competição entre si,
e sem um plano de acção para além do simples facto de saírem à rua para
atormentar a sua imagem?
Camarada presidente, a 5 de Agosto de
2012, um acidente de viação, no Kwanza-Sul, causou a morte de 23 adeptos do
Kabuscorp do Palanca, o clube de futebol de Bento Kangamba. Ficou-se a saber, a
posteriori, que entre os mortos constavam alguns kaenches afamados
pelas agressões contra os manifestantes. O camarada presidente endereçou
publicamente as suas condolências pela perda dessas vidas.
Em desespero de causa, camarada
presidente, a sua polícia política prendeu o então menor de idade Nito Alves,
de 17 anos, a 12 de Setembro de 2013, por ter imprimido 12 camisolas em que o
insultava como o “Ditador Nojento”. Torturaram-no e mantiveram-no preso por
dois meses, incluindo em regime de cela solitária, atropelando todas as leis.
Foi uma grande vergonha para si e para o seu regime.
Nito Alves tornou-se um herói. A esse
propósito, o escritor José Eduardo Agualusa escreveu: “Acontece que enquanto a
cobardia de José Eduardo dos Santos nos envergonha a todos, angolanos, a
coragem do jovem Nito Alves nos salva e enobrece.” Só os brutos apoiaram essa
acção do seu regime, camarada presidente.
O espírito assassino do seu regime
descendeu sobre os que lhe são críticos mais uma vez, para impedir um acto de
solidariedade para com os mártires Cassule & Kamulingue, a 23 de Novembro
de 2013. Um membro da sua guarda presidencial assassinou com um tiro nas
costas, junto ao palácio presidencial, o jovem político Manuel Heriberto de Carvalho
Ganga. Manuel Heriberto foi detido pela guarda presidencial por colar, nas
paredes do Estádio dos Coqueiros, cartazes que exigiam justiça no caso Cassule
& Kamulingue. Foi levado para a Unidade de Segurança Presidencial (USP)
junto ao palácio, com mais sete companheiros, onde foi executado com total
impunidade.
Ganga juntou-se aos mártires. O seu cortejo fúnebre foi atacado pela PIR com gás lacrimogéneo. Camarada presidente, o seu regime atingiu o fundo da cobardia e da irracionalidade quando a mãe de Ganga e outros familiares permaneceram junto do caixão, inalando todo aquele gás. Soube que o pai do Ganga teve de ser hospitalizado, há dias, pronunciando constantemente o nome do filho. Essa família sofre em silêncio, sob vigia constante e aterradora da polícia política. O camarada presidente nunca enviou uma nota de pesar a esta família.
O camarada presidente tem autorizado, encorajado e beneficiado de todos esses actos criminosos.
Ganga juntou-se aos mártires. O seu cortejo fúnebre foi atacado pela PIR com gás lacrimogéneo. Camarada presidente, o seu regime atingiu o fundo da cobardia e da irracionalidade quando a mãe de Ganga e outros familiares permaneceram junto do caixão, inalando todo aquele gás. Soube que o pai do Ganga teve de ser hospitalizado, há dias, pronunciando constantemente o nome do filho. Essa família sofre em silêncio, sob vigia constante e aterradora da polícia política. O camarada presidente nunca enviou uma nota de pesar a esta família.
O camarada presidente tem autorizado, encorajado e beneficiado de todos esses actos criminosos.
Os jovens manifestantes são uma
amálgama de indominável coragem, teimosia, incorrigível desorganização,
anarquia, falta de estratégia e visão comum sobre os objectivos da sua luta,
competição entre si, e muitos infiltrados.
É contra esses jovens que o camarada presidente está a perder o que lhe resta de decência política. Eles estão a desgastá-lo e a provar a natureza violenta e delinquente do seu poder.
É contra esses jovens que o camarada presidente está a perder o que lhe resta de decência política. Eles estão a desgastá-lo e a provar a natureza violenta e delinquente do seu poder.
Com o sacrifício dos seus corpos, que
se transformaram em sacos de pancadaria da sua tropa de elite, a PIR ou os
“Ninjas”, estes jovens colocam a pátria acima da sua dor pessoal. Com o
sacrifício das vidas de Cassule, Kamulingue e Ganga, estes jovens estão a
desmoralizar, acto por acto, a coesão das suas forças, camarada presidente.
Os Ninjas, ao terem cometido, para
além da tortura, o roubo do anel de casamento de Adolfo Campos, estão a perder
qualquer autoridade que lhes restasse sobre a população.
Por este andar, camarada presidente,
essas forças serão pouco mais do que bandidos com metralhadoras, gás
lacrimogéneo, carros de assalto e instinto assassino.
Depois, os Ninjas hão-de querer os bens valiosos dos dirigentes do seu regime, os mandantes dos crimes que estão a cometer por ora. Hoje, roubam o anel de um manifestante, amanhã roubarão as jóias dos dirigentes, caríssimas e incrustadas com diamantes.
Depois, os Ninjas hão-de querer os bens valiosos dos dirigentes do seu regime, os mandantes dos crimes que estão a cometer por ora. Hoje, roubam o anel de um manifestante, amanhã roubarão as jóias dos dirigentes, caríssimas e incrustadas com diamantes.
É o que acontece quando o poder
banaliza os actos marcadamente delinquentes da polícia. O poder ignora que
esses agentes não vivem em condomínios de luxo, mas no meio da pobreza, como
filhos do povo que tanto aterrorizam.
Camarada presidente, alguns destes
jovens, como o Emiliano Catumbela, Raul Mandela e o próprio Adolfo Campos já
foram detidos e torturados inúmeras vezes. Mesmo que os matem, outros mais
sairão à rua.
Há mais uma pergunta. Depois dos
Ninjas, que forças de reserva o camarada presidente tem para combater os
jovens? Chamará os comandos? Chamará os Chacais, a força de elite secreta que
usa, de vez em quando, em missões secretas no exterior do país?
O caminho da violência poder ter um
efeito contraproducente e virar-se contra si.
Camarada presidente, respeite a Constituição e a democracia e merecerá a compreensão e o perdão do povo. Deixe os jovens em paz.
Camarada presidente, respeite a Constituição e a democracia e merecerá a compreensão e o perdão do povo. Deixe os jovens em paz.
Oiça a voz de quem o abomina como
corrupto e autoritário, mas respeita a sua vida e o abraça como compatriota.
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