Friday, September 14, 2012


Parem de escrever

·         Domingos Kambunji

Há alguns, não muitos, anos, numa escala em New Jersey, de ligação com um outro continente, assisti a um longo, quase monólogo, discurso de propaganda, por um individuo pertencente aos quadros da polícia secreta do MPLA. Que agora é que Angola vai avançar para a frente.  Que agora a paz vai trazer prosperidade para todos. Que agora é que os angolanos vão ser todos camaradas amigos. Que agora é que o Presidente pode implantar uma democracia  para todos. Que agora, em Angola, todos os cidadãos vão ter uma excelente qualidade de vida.  Etc.

A quase totalidade do auditório estava muito mais interessada na hora do embarque e da chegada ao destino do que no noticiário do único viajante vestido com fato escuro e gravata, na sala de espera. O “especialista nos Avanços” em micro e macro economia e em planeamento de empresas e desenvolvimento social reparou que eu era dos poucos que observava o espectáculo, com alguma, não muita, atenção. Aproximou-se e apostou que eu era moçambicano, guineense, santomense, ou caboverdiano.  Errou.

Quando estava já cansado de tanto “avançar para a frente” ele informou-me de que foi aos Estados Unidos levar um dos seus filhos para concluir o ensino secundário nesse país e depois ingressar numa das universidades da terra do tio Sam.  Ainda explicou as vantagens de estudar nesse país: o ensino é muitíssimo melhor do que em Angola, aprende-se a falar bem uma língua estrangeira, dá a possibilidade de arranjar um belíssimo emprego em Angola,  fica muito caro em estadia e propinas mas compensa e dinheiro não é problema, etc.

Nesse momento eu regressei, com bastante malícia, à conversa do “avançar para a frente” para acusar as desigualdades económicas e sociais, a limitação da liberdade de informação na comunicação social e lembrar de que o Presidente é mundialmente conhecido por ser um corrupto na gestão dos dinheiros públicos. O senhor do fato e gravata, pouco cómodos para voos internacionais de longa duração, respondeu com toda a convicção:

-         O Presidente tem direito a ganhar percentagens nos negócios da nação, por isso é que ele é Presidente e não é como os outros cidadãos.

Não sei se venci a guerra, creio que não,  mas, naquele momento, o senhor do Avançar Para a Frente ficou perfeitamente convencido de que derrotou todos os argumentos que usei naquela batalha. Eu calei-me porque na minha modesta cultura essas percentagens graúdas seriam um enorme crime, fortemente condenado e punido pelo poder judicial nos países que revelam um maior desenvolvimento económico, científico e social, como é o caso do país que o senhor  Avançar Para a Frente  escolheu para a formação académica do filho.  

O Presidente do país escolhido pelo senhor Avançar Para a Frente para as aprendizagens escolares do seu filho, um pelintras em termos financeiros se for comparado com o José Eduardo dos Santos, porque não recebe “percentagens nos negócios da nação”, agora é criticado pelos seus opositores, a nível interno, os que tentaram impor as  democracias  através da guerra, por ter-se manifestado a favor do estabelecimento de democracias desmentindo a propaganda dos órgãos de informação oficiais e, sem baixarem os braços,  contra a repressão dos senhores Avançar Para a Frente desses países.

Há quem sinta uma enorme dificuldade em apresentar-se com pensamentos adultos, coerentes, inteligentes e honestos e acuse, frequentemente, os adversários de “traição à Pátria”. Muitos desses indivíduos educam os filhos nas escolas do ensino secundário e nas universidades dos países que acusam, dentro das fronteiras nacionais, de “Capitalistas, Neocolonialistas e Imperialistas”, onde os Presidentes não têm “percentagens nos negócios da nação”, e manifestam-se ruidosamente contra os cidadãos que lutam na defesa de ideais  muito construtivos  e honestos para destronarem os senhores  Avançar Para a Frente, os alicerces, as traves mestras e os telhados dos tiranos. E quando alguém emite opiniões de nojo, totalmente desinteressadas, contra as “percentagens nos negócios da nação”, apontam cassetetes, metralhadoras e canhões e disparam:

-         Tenho que reconhecer que você é um pessimista, próprio da "geração de muangai" cujo lema é: "Nada sem nós, tudo connosco"...  Pare de escrever por frustração, escreva por convicção, o MPLA ganhou e aceite porque o que dá raiva é ver a pregarem a democracia tipo 10 mandamentos mas não agem como democratas. Etc…

Claro que eu não aplaudo nem entro em depressão com estes comentários e só me apetece responder:

-         Avancem para a vossa frente, recuando para trás.

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