Friday, July 6, 2012


Carta para o Inácio Rebelo de Andrade,

 do Consulino Desolado



Meu Caro Inácio.

Lamento dizer-te, estás totalmente deslocado nesta sociedade actual, onde as definições já não têm vírgulas e confunde-se o sujeito com o predicado e os complementos (directos e indirectos) estão cada vez mais distantes, porque faltam o tempo, a vontade e a imaginação, sobretudo a vontade e a imaginação, para deixar amadurecer os frutos do conhecimento e das relações humanas sinceras. 

Todavia, ainda existem muitas pessoas simples como tu, aquelas que acreditam na coerência, honestidade e no trabalho e dedicam-se ao altruísmo com dádivas muito construtivas, úteis e valiosas, recusando emparceirar com os modernos manipuladores de mentalidades, os que encabeçam as listas para as eleições e as das doações aos mais necessitados com sofismas, promessas bacocas,   mentiras mais do que evidentes e engodos que lhes permitem brilhar nos palcos da futilidade, numa tentativa de copiarem os comportamentos e as atitudes  das estrelas de Hollywood. O sotaque, a falta de jeito e os vícios do facilitismo e do nepotismo  atraiçoam e eles e elas são afastados dos papeis principais rapidamente, devido à impreparação para a arte de representar, obrigando-os a entrar em reciclo. Os que os substituem são clones dos anteriores.

Sabes umas coisa, Inácio?!... Eu rio-me, rio-me deles e delas às gargalhadas porque, não sei se por defeito de formação, gosto de rir-me do ridículo. Rio-me às gargalhadas quando observo aqueles discursos em que os actuais manipuladores de mentalidades, lendo os telepontos redigidos por especialistas em mamar no sistema, peidam-se, peidam-se muitíssimas vezes, pensado ser a expressão mais avançada da oratória, peidam-se ruidosamente e ficam muito transpirados, roucos e cansados de tanto se peidarem, julgando-se inteligentes, inovadores e eloquentes. E o grupo de bajuladores e militantes aplaude fanaticamente esses odores, As emoções, hoje em dia, fazem parte da Economia de Mercado e são transaccionadas nas Bolsas de Valores.  As vontades, a imaginação e a coerência estão à venda e a lei da oferta e da procura, sempre no curto prazo, exige cada vez mais dos que procuram e prostituem-se a preços demasiado baixos.

Inácio, alegra-me informar-te de que não tens motivos para emigrares para o território da saudade. Esse ciclo viciado irá apodrecer no bolor que os patrulheiros das mentalidades semeiam com os seus gestos, as suas palavras e as suas acções.

Eu já te disse, várias vezes, que o meu pai partiu, aos 79 anos de idade, muito mais jovem do que algum dia hei-de ser. Nesse aspecto, não me canso de tentar aprender a imitá-lo, mas é muito difícil.  A juventude aumenta com o avanço na idade,  em pessoas de boa fé. Enoja-me ver tantos decrépitos jovens adultos e adultos de meia idade a habitarem a letargia e o facilitismo e a enveredarem por raciocínios ambíguos, próprios dos adolescentes que navegam na direcção dos naufrágios, por impossibilidade de definirem objectivos coerentes, apesar de existirem na costa muitos faróis a indicarem o bomporto.

Eu estou a residir num país que está longe de ser perfeito mas onde ainda as universidades disputam os melhores alunos que concluem o o ensino secundário, de uma maneira mais inteligente do que a utilizada pelos clubes de futebol  para seduzirem os melhores praticantes.  Nestas universidades os estudantes que tentarem cabular são desmascarados pelos colegas e expulsos devido aos seus comportamentos desonestos. O sucesso pessoal e profissional dos estudantes  é a melhor publicidade para esses estabelecimentos de ensino, construtivamente competitivo.

Na Escola Elementar do meu rapaz, a partir do terceiro grau, os melhores alunos, depois de testados,  são promovidos às “GATE Classes” e as escolas  que não demonstrarem bons resultados nos testes Estaduais,  a que são sujeitos todos os alunos, correm o risco de serem “desparasitadas” dos maus directores, professores e técnicos auxiliares de ensino.

A Vivianne, uma directora que reformou-se recentemente, costumava dizer:

“Não aceito mau comportamento nas aulas; na primeira semana, se os alunos portarem-se mal pode-se compreender, por estarem numa fase de adaptação;  a partir da segunda semana de aulas o mau comportamento dos alunos é totalmente da responsabilidade do professor.  Claro que os professores não são patrulhados por um sistema paternalista e estão sujeitos a avaliações anuais, com uma pedagogia proactiva, para além da avaliação efectuada através dos testes anuais do Estado para aferição da sua qualidade de ensino e das aprendizagens dos seus alunos.



Inácio, pretendo assim lembrar-te de que estás perfeitamente actualizado  e atento nesta sociedade actual.  Estas modas são passageiras e afogar-se-ão nas barragens, em eutrofização, que têm construído para impedirem o curso mais natural e ecológico das águas.

Uma última recomendação: não faças muitas festas aos gatos, cães, ratos e cobras, porque eles podem “desalmariar” e morderem-te ou arranharem-te as mãos. Hoje em dia há vírus e outros parasitas que, nas tuas infância, adolescência e jovem idade adulta, estavas longe de imaginar existirem ou mutarem para formas tão patogénicas. Toma muito cuidado porque ainda não existem vacinas capazes de prevenir esses males e os efeitos colaterais são demasido mortíferos para as mentalidades equilibradas.

Dá cumprimentos meus à Zita e relembra-lhe de que a poesia que juntos têm vivido jamais existirá um poeta capaz de a retratar, em toda a sua dimensão de sinceridade, criatividade e entrega. A melhor poesia vive-se, não se escreve. Os poetas bajuladores de Presidentes, Ministros, de-Puta-dos e das políticas de Lana Caprina, no país onde nós nascemos, não sabem disso. Não tentes alterar essas mentalidades porque eles já nasceram demasiado velhos e anquilosados.  Burros velhos, com diferentes idades  cronológicas, não conseguem alterar os seus hábitos e rotinas.

Um abraço amigo do

Consulino Desolado

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