Carta para o Inácio Rebelo de Andrade,
do Consulino Desolado
Meu Caro Inácio.
Lamento dizer-te, estás totalmente deslocado
nesta sociedade actual, onde as definições já não têm vírgulas e confunde-se o
sujeito com o predicado e os complementos (directos e indirectos) estão cada
vez mais distantes, porque faltam o tempo, a vontade e a imaginação, sobretudo
a vontade e a imaginação, para deixar amadurecer os frutos do conhecimento e
das relações humanas sinceras.
Todavia, ainda existem muitas pessoas
simples como tu, aquelas que acreditam na coerência, honestidade e no trabalho
e dedicam-se ao altruísmo com dádivas muito construtivas, úteis e valiosas,
recusando emparceirar com os modernos manipuladores de mentalidades, os que
encabeçam as listas para as eleições e as das doações aos mais necessitados com
sofismas, promessas bacocas, mentiras
mais do que evidentes e engodos que lhes permitem brilhar nos palcos da
futilidade, numa tentativa de copiarem os comportamentos e as atitudes das estrelas de Hollywood. O sotaque, a falta
de jeito e os vícios do facilitismo e do nepotismo atraiçoam e eles e elas são afastados dos
papeis principais rapidamente, devido à impreparação para a arte de
representar, obrigando-os a entrar em reciclo. Os que os substituem são clones
dos anteriores.
Sabes umas coisa, Inácio?!... Eu
rio-me, rio-me deles e delas às gargalhadas porque, não sei se por defeito de formação,
gosto de rir-me do ridículo. Rio-me às gargalhadas quando observo aqueles
discursos em que os actuais manipuladores de mentalidades, lendo os telepontos
redigidos por especialistas em mamar no sistema, peidam-se, peidam-se
muitíssimas vezes, pensado ser a expressão mais avançada da oratória, peidam-se
ruidosamente e ficam muito transpirados, roucos e cansados de tanto se
peidarem, julgando-se inteligentes, inovadores e eloquentes. E o grupo de
bajuladores e militantes aplaude fanaticamente esses odores, As emoções, hoje
em dia, fazem parte da Economia de Mercado e são transaccionadas nas Bolsas de
Valores. As vontades, a imaginação e a
coerência estão à venda e a lei da oferta e da procura, sempre no curto prazo,
exige cada vez mais dos que procuram e prostituem-se a preços demasiado baixos.
Inácio, alegra-me informar-te de que
não tens motivos para emigrares para o território da saudade. Esse ciclo
viciado irá apodrecer no bolor que os patrulheiros das mentalidades semeiam com
os seus gestos, as suas palavras e as suas acções.
Eu já te disse, várias vezes, que o meu
pai partiu, aos 79 anos de idade, muito mais jovem do que algum dia hei-de ser.
Nesse aspecto, não me canso de tentar aprender a imitá-lo, mas é muito difícil.
A juventude aumenta com o avanço na
idade, em pessoas de boa fé. Enoja-me
ver tantos decrépitos jovens adultos e adultos de meia idade a habitarem a
letargia e o facilitismo e a enveredarem por raciocínios ambíguos, próprios dos
adolescentes que navegam na direcção dos naufrágios, por impossibilidade de
definirem objectivos coerentes, apesar de existirem na costa muitos faróis a
indicarem o bomporto.
Eu estou a residir num país que está
longe de ser perfeito mas onde ainda as universidades disputam os melhores
alunos que concluem o o ensino secundário, de uma maneira mais inteligente do
que a utilizada pelos clubes de futebol para
seduzirem os melhores praticantes. Nestas universidades os estudantes que
tentarem cabular são desmascarados pelos colegas e expulsos devido aos seus
comportamentos desonestos. O sucesso pessoal e profissional dos estudantes é a melhor publicidade para esses
estabelecimentos de ensino, construtivamente competitivo.
Na Escola Elementar do meu rapaz, a
partir do terceiro grau, os melhores alunos, depois de testados, são promovidos às “GATE Classes” e as
escolas que não demonstrarem bons
resultados nos testes Estaduais, a que
são sujeitos todos os alunos, correm o risco de serem “desparasitadas” dos maus
directores, professores e técnicos auxiliares de ensino.
A Vivianne, uma directora que
reformou-se recentemente, costumava dizer:
“Não aceito mau comportamento nas
aulas; na primeira semana, se os alunos portarem-se mal pode-se compreender,
por estarem numa fase de adaptação; a
partir da segunda semana de aulas o mau comportamento dos alunos é totalmente
da responsabilidade do professor. Claro
que os professores não são patrulhados por um sistema paternalista e estão
sujeitos a avaliações anuais, com uma pedagogia proactiva, para além da
avaliação efectuada através dos testes anuais do Estado para aferição da sua
qualidade de ensino e das aprendizagens dos seus alunos.
Inácio, pretendo assim lembrar-te de
que estás perfeitamente actualizado e
atento nesta sociedade actual. Estas
modas são passageiras e afogar-se-ão nas barragens, em eutrofização, que têm
construído para impedirem o curso mais natural e ecológico das águas.
Uma última recomendação: não faças
muitas festas aos gatos, cães, ratos e cobras, porque eles podem “desalmariar” e
morderem-te ou arranharem-te as mãos. Hoje em dia há vírus e outros parasitas
que, nas tuas infância, adolescência e jovem idade adulta, estavas longe de
imaginar existirem ou mutarem para formas tão patogénicas. Toma muito cuidado
porque ainda não existem vacinas capazes de prevenir esses males e os efeitos
colaterais são demasido mortíferos para as mentalidades equilibradas.
Dá cumprimentos meus à Zita e
relembra-lhe de que a poesia que juntos têm vivido jamais existirá um poeta
capaz de a retratar, em toda a sua dimensão de sinceridade, criatividade e
entrega. A melhor poesia vive-se, não se escreve. Os poetas bajuladores de
Presidentes, Ministros, de-Puta-dos e das políticas de Lana Caprina, no país
onde nós nascemos, não sabem disso. Não tentes alterar essas mentalidades
porque eles já nasceram demasiado velhos e anquilosados. Burros velhos, com diferentes idades cronológicas, não conseguem alterar os seus
hábitos e rotinas.
Um abraço amigo do
Consulino
Desolado
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